Pró-África

artigos

  • Home
  • Actualidade
  • Eventos
  • Artigos
  • Cultura
  • Biografia Política
  • Arquivo
  • Contactos
Está aqui: Home / Actualidade / “As Zonas Libertadas da Guiné-Bissau foram uma realidade”,pelo Doutor Corsino Tolentino

“As Zonas Libertadas da Guiné-Bissau foram uma realidade”,pelo Doutor Corsino Tolentino

17 Julho, 2018 17:38 1

Corsino Tolentino

Doutor Corsino Tolentino

Sou Corsino Tolentino e venho das ilhas de Cabo Verde. Peço desculpas por as minhas cordas vocais se encontrarem em mau estado. Contudo, gostaria de agradecer o coletivo do Centro de Pós-Graduação, a Universidade Pública de Nova Iorque, os Professores Peter Hitchcock, que me convidou, e David Harvey, uma espécie de mentor deste Centro, cujo papel é muito relevante nesta cidade e nos Estados Unidos da América.

Agradeço com o mesmo entusiasmo a Mary Taylor, o Malav Kanuga e a Sónia Borges, cabo-verdiana, nascida em Portugal, estudante de pós-doutoramento, que estuda o tema da nossa conversa. Espero que o seu próximo livro cujo interesse consiste na recusa da falsa verdade segundo a qual só existem só duas realidades, a pré-colonial e a pós-colonial, difundida pelas teorias do pós-colonialismo. Ela, pelo contrário, defende um terceiro estádio, um período de transição, que ilustra com experiências e dinâmicas sociais próprias das “zonas libertadas”.

Por fim, felicito os jovens, mulheres e homens, que mostraram convicção e eficiência nos debates sobre as diferentes formas de solidariedade durante a manhã de hoje e deram uma ideia da mudança positiva nos diferentes países de origem.

Realmente, entrei no PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) antes de 1970, quando o ato de adesão se verificou oficialmente. Enquanto realizava os meus estudos secundários e universitários, simultaneamente ia mobilizando cabo-verdianos e guineenses, clandestinamente (em Cabo Verde e Portugal) ou abertamente (na França, Suíça, Bélgica, no Luxemburgo e na Holanda) para a luta de libertação nacional. A finalidade era substituir a ordem colonial por uma de liberdade de escolha nacional.

A missão do PAIGC era de tal ordem que ainda se mantém. As seguintes datas ajudam o leitor a ter uma ideia do tamanho do desafio e entender o contexto da luta: em 1960, o Mundo ouviu pela primeira vez falar do líder Amílcar Cabral e da luta que se organizava nas colónias de Portugal; em 1973, a notícia da morte do líder surpreendia pelo absurdo ao mesmo tempo pela grande perda quando cerca de oito dezenas de países reconheciam o Estado da Guiné-Bissau; em 1980, um golpe de Estado em Bissau resultou na divisão do PAIGC em duas partes nacionais, liderando dois Estados soberanos. A luta armada nunca começou nas ilhas de Cabo Verde, porque o princípio de “unidade e luta” e a vocação para a paz o permitiram. Aliás, não houve violência militar nas ilhas.

Ação e sorte fizeram de mim um felizardo, porque provocaram o 25 de Abril no império comandado por Lisboa. Negociações tomaram o lugar da guerra, e Cabo Verde tornou-se independente no dia 5 de Julho de 1975. Meu profundo envolvimento nos acontecimentos anteriormente relatados explica porque digo que o meu país e eu crescemos juntos há quase 43 anos. Não me arrependo das decisões cruciais que tomámos, mesmo quando os resultados não corresponderam às nossas expetativas. Mas, apesar dos progressos evidentes, por vezes sentimos que as populações que fomos deixando muito para trás constituem uma dívida coletiva cada vez mais difícil de saldar. Precisamos de agir muito mais no sentido da igualdade de oportunidades e da equidade. Continuamos a ter grandes diferenças entre as ilhas e entre camadas sociais, que tendem a afastar-se cada vez mais.

Olhando para a natureza e extensão da solidariedade insurgente, um conceito-chave é o da guerra fria. Houve um tempo em que se falava do primeiro, do segundo, do terceiro e até do quarto mundos, para fazer referência aos países desenvolvidos e capitalistas, aos países ditos socialistas, aos mais ou menos militantes subdesenvolvidos e aos do fim da lista quanto ao rendimento por pessoa e organização social.

Acusam-nos de ter assinado acordos com a URSS e outros países comunistas daqueles tempos esquecendo a questão das alternativas. Portugal tinha aderido à Aliança Atlântica desde 4 de Abril de 1949, que lhe foi fiel durante a Luta de Libertação. Tínhamos de escolher os nossos parceiros soberanamente e o fizemos. Contra a OTAN havia o Pacto de Varsóvia, restava-nos o Movimento dos Não-Alinhados, uma grande esperança na época, que nasceu em 1955.

Aliás, sempre preferimos o não-alinhamento às alianças militares, sempre fomos não-alinhados convictos, com argumentos sólidos. Durante a nossa luta para a independência o segundo mundo desempenhou um papel primordial no começo. Depois, houve uma série muito grande de comités de apoio. O meu próprio percurso foi marcado pelo apoio político indireto em numerosos Estados do segundo e terceiro mundos assim como dos do primeiro mundo dirigidos por partidos da social-democracia. Falando da amizade entre povos, lembro o sangue que o PAIGC recebia semanalmente da Europa para os seus combatentes feridos, que ainda levam nas suas veias o sangue da mesma cor, tenha vindo de brancos, pretos ou amarelos. O próprio Amílcar Cabral disse um dia que ele era um combatente anónimo pelos direitos humanos.

Cabo Verde reconheceu desde o seu renascimento como país soberano de verdade, que embora os recursos naturais, a emigração, o investimento estrangeiro e a ajuda pública ao desenvolvimento sejam necessários, ninguém poderá substituir o esforço nacional, através de um competente sistema educativo, que se apresenta como o mais importante fator de crescimento económico, político e cultural. A um bom nível nestes sectores corresponderia melhor desempenho na salvaguarda e manutenção da Democracia e das Liberdades. Para isso é preciso tendencialmente querer produzir mais do que se consome. Os líderes são raros, porque as suas funções são cada dia mais exigentes.

Hoje em dia, os movimentos insurgentes mais significativos reportam-se aos anos 40 e 50 do século passado, com duas caraterísticas: por um lado, o aparecimento do telefone móvel (meados de 1980) provocou um verdadeiro salto na área das comunicações; por outro lado, os objetivos da insurgência mudaram substancialmente, misturando os nobres desejos da libertação nacional com os do terrorismo gratuito.

No seu livro que sairá em breve, Sónia V. Borges argumenta que pelo menos em matéria de educação, saúde e organização da vida não existem apenas o período colonial e o pós-colonial, mas três períodos: com base em pesquisa feita nas antigas Zonas Libertadas da Guiné-Bissau e em Cabo Verde, onde entrevistou antigos membros do PAIGC, com experiência no terreno da Guiné, apresenta argumentos que parecem inatacáveis. Portanto, tomemos nota desde já do seguinte: em geral, a História não está dividida em antes e depois do colonialismo, mas em três fases: pré-colonial, de transição e pós-colonial.

O Exército era constituído por militantes (chamados o braço armado do partido) e de membros das populações, mediante a reunião de determinados critérios. A paz era a finalidade da Luta. Defesa e Segurança, Administração civil, Agricultura, Educação e Saúde eram as funções vitais. Hoje reconhecemos que as Zonas Libertadas eram uma terra de sonho, uma utopia que realizámos durante a libertação nacional. O processo durou cerca de 10 anos (1963-1974), claro, com muitos acidentes de percurso. Foi uma experiência que inspirou a governação de Cabo Verde, principalmente nos domínios do económico, social, político e das Relações Internacionais. As ZL foram lideradas pelo PAIGC mas o resultado final veio da combinação corajosa e patriótica da ação dos militantes e das populações, dos restantes Movimentos de Libertação Nacional, principalmente das colónias portuguesas, dos que na altura se chamavam países socialistas e dos comités de apoio constituídos em países sociais-democratas e do Terceiro Mundo.

As ilhas de Cabo Verde foram capazes de gerir com a ajuda de muitos parceiros, contando sempre com recursos próprios e transformar o modo de vida. Os 43 anos que festejaremos em Julho provaram que é possível, mas será muito difícil se não conseguirmos, como povo, ser mais positivos e capazes de trabalhar eficientemente e sonhar. Temos de ser realistas e sabermos que as sociedades mais avançadas têm a Atitude compatível com as tarefas a realizar, a Ciência e a Tecnologia. Todos os países têm períodos de crise, mas é certo que num mundo descontrolado, os pequenos países sofrem mais.

Então, nossos anfitriões, por favor, digam ao vosso Presidente e às principais instituições americanas para nos deixarem em Paz. É verdade, precisamos de muitas coisas, não da guerra. Nós procuramos sobretudo investimento externo. Fomos o único país em desenvolvimento a concretizar dois pacotes Millennium Challenge  Account (MCA). Porém, se a condição sine qua non para ter esses investimentos (públicos e privados) é ter uma base militar ou coisa parecida, não, obrigado. Aproveito esta oportunidade para enviar esta mensagem a todos os países e regiões. É preciso que o mundo se salve pela paz. Para as ilhas de Cabo Verde, a paz não é um luxo, é uma necessidade de sobrevivência, com dignidade. Esta é uma espécie de introdução à História da Libertação de dois pequenos países da África Ocidental. Um deles é um aparente sucesso e o outro, um provável fracasso? Porém, não tenhamos pressa em concluir. A complexidade das Relações Internacionais exige ponderação.

Ontem fomos ao monumento que simboliza o grande golpe às Torres Gémeas e a Árvore do Sobrevivente nos sensibilizou. Qual de nós teria pensado no que aconteceu em 2001? Francamente, temos medo de, procurando as tropas americanas, suas casernas, seu armamento ou centros de instrução, o terrorismo venha até às ilhas do pequeníssimo país que somos. O improvável aconteceu quando nada o previa. A existência de uma base militar ou coisa que pareça, sim, é no mínimo uma provocação.

Finalmente, eu gostaria de colocar à consideração da Universidade Pública de Nova Iorque a possibilidade de financiar pelo menos uma bolsa de estudos em benefício da Universidade de Cabo Verde. Para terminar, é bom que façamos um esforço de universalização da solidariedade insurgente. Porque não?

Public University of New York City

Center for Place, Culture and Politics

Spring 2018, annual conference on Insurgent Solidarities:

Histories, formations and futures

 Nova Iorque, 13 de Abril de 2018

Corsino Tolentino

 

 

Mais Nesta Categoria: Actualidade, Artigos, Biografia Política

Comentários

  1. Jorge Maria Custodio Santos diz

    17 Julho, 2018 at 18:06

    Concisamente eloqüente. Parabéns ao meu colega de profissão e condiscipulo no Liceu Gil Eanes, Corsino Tolentino. Da minha experiência das operações de paz em Angola e Moçambique, as transições são uma realudade nem sempre pacífica. Há mesmo transições pós-operações de oaz das Nações Unidas, como o atestam bem os momentos políticos vividos em Angola e Moçambique.

    Responder

Deixe uma resposta Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Movimento Pró-África

Movimento Pró-África

Email: projetoproafrica@gmail.com

Artigos recentes

  • A luta de libertação nacional: contribuições e impasses,pelo Dr. Carlos dos Reis,Presidente da ACOLP (intervenção no âmbito da Semana da República)
  • Cabo Verde e a edificação do Estado: – entre a sobrevivência e a afirmação no concerto das Nações, pelo Dr. Ludjero Correia [Intervenção no âmbito da “Semana da República”]
  • Minhas três edulcorantes sensações, por Domingos Landim de Barros
  • “As Zonas Libertadas da Guiné-Bissau foram uma realidade”,pelo Doutor Corsino Tolentino
  • Under the PAIGC the Liberated Zones Were Real,By PhD Coursino Tolentino

Internet

pro-africa.org Redes Sociais

Segue a nossa página no Facebook.

A luta de libertação nacional: contribuições e impasses,pelo Dr. Carlos dos Reis,Presidente da ACOLP (intervenção no âmbito da Semana da República)

A luta de libertação nacional: contribuições e impasses,pelo Dr. Carlos dos Reis,Presidente da ACOLP (intervenção no âmbito da Semana da República)

Cabo Verde  e a edificação do Estado:  – entre a sobrevivência e a afirmação no concerto das Nações, pelo Dr. Ludjero Correia [Intervenção no âmbito da “Semana da República”]

Cabo Verde e a edificação do Estado: – entre a sobrevivência e a afirmação no concerto das Nações, pelo Dr. Ludjero Correia [Intervenção no âmbito da “Semana da República”]

Minhas três edulcorantes sensações, por Domingos Landim de Barros

Minhas três edulcorantes sensações, por Domingos Landim de Barros

Under the PAIGC the Liberated Zones Were Real,By PhD Coursino Tolentino

Parceiros

Festival Sete Sóis Sete Luas

Rosa de Porcelana - editora

Buala - cultura contemporânea africana

Este site, funciona em todos os monitores.
O site, funciona em todos os monitores.

Copyright © 2019 · Pró-África · criado pela Marvirtual.com