A Associação dos Combatentes da Liberdade da Pátria (Cabo Verde) sente-se honrada em participar com a Fundação Amílcar Cabral nesta homenagem a Aristides Pereira. A nossa resposta ao desafio do Presidente Pires não podia ser outra senão a manifestação da nossa disponibilidade desde o primeiro instante. Membro fundador da nossa Associação, Aristides Pereira é um dos símbolos da luta pela independência nacional e de construção da República de Cabo Verde, razões pelas quais não deixaremos de lembrar e contribuir para a preservação e valorização da sua memória.
Para além do indesmentível companheirismo em relação a Amílcar Cabral, que não poucas vezes o reduz, de forma simplista, a uma espécie de alter-ego, consideramos importante sublinhar a singularidade do homenageado.
O seu percurso de vida e a circunstância de ter estado sempre nos sítios certos, e nas horas certas, sempre disponível para servir a luta pela independência dos dois países – a Guiné e Cabo Verde – fazem dele uma figura incontornável para a História.
Dotado de uma personalidade que transmitia muita serenidade, Aristides Pereira conseguia comunicar sem ter que falar muito. Quando falava, o tom da sua voz era sempre o mesmo e revelava uma capacidade apreciável de auto-controle. Para ele, a serenidade parecia uma espécie de recurso para a firmeza que ele tanto necessitou e demonstrou ter conseguido, mesmo em situações muito complicadas, como as vividas quando as agruras pessoais da vida lhe puseram perante tragédias familiares, como foi a perda de dois filhos – a Dulce Irene, ainda em Conakry, e o Aulânio Eugénio, já na Cidade da Praia – ou as consequências de uma simples vacina na saúde da Estela Maria, não fizeram vacilar a escolha do caminho que impôs à sua vida. Lembro com respeito a pessoa daquela que ele considerou «o seu esteio permanente», a camarada Carlina Pereira e saúdo com carinho a presença das filhas Estela Maria Fortes Pereira e Maria Manuela Fortes Pereira, bem como a presença dos netos, sobrinhos e demais familiares.
Como diz a divisa do Simpósio, pretendemos recordar Aristides Pereira e contribuir para a edificação da História, porque seja qual for a interpretação que se quiser fazer dos factos a ele ligados, a sua vida faz parte da nossa História. Vamos, pois, dar o nosso modesto e breve contributo de recordar Aristides Pereira, edificando a nossa História.
Aristides Pereira chegou em Bissau, em 1948, com a idade de vinte e quatro anos, testemunhou a efervescência nacionalista provocada pelo processo das independências dos países vizinhos, assistiu ao massacre de Pidjiguiti, de 3 de Agosto de 59, que terá levado o núcleo fundador do PAIGC a optar pela luta armada que, só poderia ser organizada a partir do exterior. A sua contribuição para a organização e início da luta armada na Guiné é mal conhecida e, por isso, não é devidamente valorizada, mas, creio ser importante uma maior divulgação das circunstâncias com que suportou os dez dias de prisão, em Conakry, em 1962, para citar apenas um exemplo factual. A discreta personalidade de Aristides remetia tudo quanto fazia para algo normal, como também foi o caso da sua contribuição para «estabelecer e impor regras» à guerra, entretanto iniciada em 1963, com o ataque ao quartel de Tite, no sul da Guiné. Contribuiu para o início das relações diplomáticas com países como a China, a Argélia de pós-Ben Bella, a Libéria, ou até para a primeira reunião, em Londres, do que viria a ser a CONCP, para não falar da Guiné-Conakry, país estrategicamente essencial para o PAIGC. O papel de Aristides Pereira é também reconhecido pelos próprios assassinos de Cabral, quando o prenderam e amarraram, da forma como o fizeram, porque sabiam o que ele representava para a continuação da luta. Acompanhou, orientou e encorajou o processo da luta política clandestina nestas ilhas, para onde regressou em Fevereiro de 1975, e mais tarde, viria a ser o primeiro Presidente da República de Cabo Verde proclamada a 5 de Julho.
Aristides Pereira conseguiu transformar o respeito que tinha junto dos seus pares num importante factor de mobilização de recursos para estas ilhas.
Ao tentarmos estudar o percurso da sua vida entramos numa verdadeira aprendizagem dos caminhos de aproximação destas ilhas africanas com o seu continente. A sua participação na luta e no processo de construção da independência foi um factor de equilíbrio nos planos nacional e internacional, de viabilização do país e de construção da sua boa imagem. Conhecedor das relações internacionais e, particularmente, dos países africanos, contribuiu para a Paz e a moderação política em África e para o sucesso da luta contra o «appartheid». Defendeu a reconciliação histórica, como factor para a construção da paz e a estabilidade e uma maior aproximação dos nossos países com os países ocidentais, no âmbito da qual, chegou a prestar relevantes serviços não só a Cabo Verde, como a vários outros países africanos, sem deixar de questionar as situações consideradas de injustas nas relações internacionais e lutar pela procura de soluções mais justas. Temos testemunhos eloquentes da correcção e elegância política de Aristides Pereira em momentos de rotura, como a Independência Nacional, ou por ocasião da mudança de regime para o pluralismo democrático.
Em Aristides Pereira encontramos alguém que assumiu a procura da razoabilidade, em tempos de extremismos, para a procura de soluções dos problemas, o que exige sempre conhecimento, lucidez, perseverança e capacidade para aplicação do conhecimento. Na nota de agradecimento do seu livro «Uma luta, um partido, dois países», publicado em duas versões, escreveu que o seu testemunho «cumpre o dever de cidadão e de patriota» mas, sempre exigente e rigoroso consigo próprio, recorreu a uma equipa de investigadores e historiadores, publicou uma segunda edição alargada com a inclusão de várias entrevistas de combatentes, criou uma situação de interactividade cruzada com informações extraídas dos arquivos portugueses e do PAIGC, com um prólogo do respeitado Professor Ki-Zerbo, tudo no âmbito do Projecto da UNESCO de Salvaguarda do Património Histórico da África Contemporânea (SPHAC). Exprimiu o desejo de ser recordado «Como um filho de Cabo Verde, que sempre se preocupou com os seus irmãos …», mas, para nós, Combatentes da Liberdade da Pátria, Aristides Pereira foi bem mais do que isso, pelo exemplo que transmitiu como cidadão patriota, como Combatente, como o Presidente da Independência, e como tal, como o primeiro PR de Cabo Verde. Na minha modesta opinião, o legado por ele deixado não é possível de ser medido, mas, seria bom que fosse um desafio para os investigadores.
Inspirados no exemplo de Aristides Pereira, os Combatentes da Liberdade da Pátria consideram que a organização desta homenagem está também a cumprir um dever de cidadania e de patriotismo, ao recorrer às Memórias de um dos símbolos maiores da geração da Independência para também exortar e interpelar a juventude em relação às memórias do futuro porque o Simpósio também tem uma outra dimensão como excelente oportunidade que é de interacção entre várias gerações.
Agradecemos a participação de todos neste Simpósio, mas, agradecemos de forma particular, o Presidente Pedro Pires, que teve a iniciativa da sua realização e que muito se empenhou para o seu bom êxito.
Honra e glória ao CLP Aristides Maria Pereira, Primeiro Presidente da República de Cabo Verde.
Muito obrigado pela vossa atenção.
Carlos Reis (Presidente da ACOLP)
Cidade da Praia, 16 de Novembro de 2017.
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