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Nós, a Crise e o Estado Social

8 Julho, 2014 19:28 1

Encontrei o Daniel David, fundador e Presidente do Conselho de Administração da Sociedade Independente de Comunicação (SOICO) em circunstâncias que me pareceram de busca de inspiração. Pedro Pires, que tinha sido comandante de guerrilha na Guiné-Bissau, negociador do processo de Independência de Cabo Verde com o governo português saído do 25 de abril de 1974, Primeiro-Ministro e depois Presidente da República, o convidara para o 80º aniversário. Entretanto, eu tinha sido um dos entrevistados do César Schofield para testemunhar sobre o Prémio Mo Ibrahim 2011 de boa governação. Mais coisa, menos coisa, nós teremos gravado o seguinte: que, entre as várias escolhas possíveis, Pedro Pires optara pelo caminho da libertação da sociedade cabo-verdiana, formou a equipa que era possível em 1975, cumpriu a palavra e mostrou o caminho da dignidade à minha geração. É um líder, nem mais nem menos!

Nesse mesmo dia, durante uma receção, o Presidente da Sociedade Independente de Comunicação obteve do seu anfitrião a confirmação de que estes cabelos brancos eram aqueles do autor da fala, dos gestos e do não dito que o modesto documentário tinha mostrado. Os assuntos tinham sido a realização do sonho de bem-estar nas nossas ilhas escalavradas, os momentos e as causas de hesitação, o poder da palavra e da credibilidade pessoal, a importância relativa do ser e do ter. O significado e o valor da liderança tinham merecido a nossa atenção especial.

Conto esta estória, Senhoras e Senhores, meus caros Amigos de cá e de lá, porque ela explica a nossa presença, da Helena e minha, em Maputo, esta conversa, e até o estilo dialogado. Na verdade, ao propor uma reflexão sobre a crise financeira e económica mundial, o papel das economias emergentes, a situação e o futuro do Estado Social, os organizadores deste 9º aniversário do jornal «O País» terão querido avisar: você aí amigo, venha ver o céu connosco, mas faz o favor de manter os pés bem assentes no chão. É isso que vou tentar fazer.

Não esqueceremos que andamos à procura da inspiração que ajude a compreender realidades complexas para resolver problemas difíceis. Temos uma causa? Temos uma causa e ela chama-se descobrir talentos, meios e caminhos da felicidade para o maior número possível de cidadãos das nossas terras e, também, das outras nações de África e do Mundo. Precisamos de um guião? Não, porque já o temos. É o catálogo das Promessas da Luta de Libertação Nacional.

I

Primeiro, a crise financeira e económica. Crise é o estado normal da vida e da natureza. A sua evolução é que pode ser boa ou má, dependendo de fatores internos e externos. Uma evolução negativa aumenta as vulnerabilidades e pode provocar a destruição, mas uma evolução favorável cria oportunidades de aprendizagem e crescimento. Uma vez que o nosso assunto é a crise financeira e económica, o que distingue estes dois adjetivos? Na verdade ambos andam tão associados que vale a pena recordar que os bens e os serviços produzidos e vendidos são económicos e que o seu valor expresso em dinheiro é financeiro.

Esta crise global começou nos Estados Unidos da América com a bolha financeira (especulativa, de mercado ou de preços), que é uma falsa replicação sobre um único capital através do sistema financeiro. A história do subprime (empréstimo bancário de alto risco a interessados sem suficientes garantias de pagamento do principal e dos juros) mostra o que é uma bolha. Desde a década de 1990, proprietários de casas hipotecadas nos Estados Unidos utilizaram as mais-valias para aumentar o endividamento. O negócio era de alto risco, mas as baixas taxas de juro oficiais incentivaram a procura de rendimentos mais elevados em operações de risco. Criou-se um ambiente de entusiasmo consumista. Na década de 2000, a moda era gastar primeiro e ver depois. Com o aumento da oferta, o preço das casas começou a cair. Entretanto, em 2005, a Reserva Federal (Banco Central dos EUA) aumentou a taxa de juro de curto prazo de 1% para 5%.

Nessas circunstâncias, em 2007-2008, com a generalização do incumprimento no mercado do subprime os investidores tiveram de abandonar a atividade especulativa. Com a queda a pique dos preços das casas, o pânico substituiu o entusiasmo, a procura diminuiu drasticamente e sobreveio a recessão, definível como uma fase de retração geral na atividade económica, com os efeitos típicos de crise, tais como a queda no nível de produção (PIB), no rendimento familiar, na taxa de lucro e capacidade de investimento, assim como o aumento de falências e do desemprego.

Enfim, não podemos deixar de pensar nas causas desta situação. As causas são muitas e daqui a dezenas de anos haverá novas explicações. Culpados também há muitos, nem todos identificados. Alguns ingredientes conhecidos são um período relativamente longo de prosperidade gera expetativas, os ativos financeiros criam a ilusão de riqueza e o falso sucesso gera a ganância. Uma vez instalado, este movimento irracional absorve cada vez mais gente e valoriza os ativos até à saturação e tomada de consciência do desastre.

E de quem é a culpa? Dos especuladores, que ludibriaram os clientes, dos reguladores, que não viram nem preveniram, dos bancos centrais, que mantiveram as taxas de juro baixas, dos gestores, que não puderam ou não quiseram defender os interesses dos acionistas, dos teóricos que acreditaram no infalível reequilíbrio do mercado, dos governos, que não tomaram medidas a tempo ou adotaram políticas erradas ou oportunistas e, por fim, dos auditores e das agências de notação de risco. Sejam quais tiverem sido as causas, as culpas e as reformas, os indicadores de retoma nos países emergentes, assim como nos países mais avançados são e tendem a ser positivos, recomendando em ambos os casos uma visão global e solidária da Economia.

II

A crise económica e financeira será um sinal de declínio do Estado Social? Estado Social ou Estado-providência é o tipo de organização que reconhece na instituição que detém o poder político o papel de promotor e protetor dos direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos. Nesta perspetiva, cabe ao Estado a função de regulamentar a concorrência em diálogo com o governo, as empresas, os sindicatos e as organizações da sociedade civil. Nasceu na Europa dos finais da II Guerra Mundial, cresceu sobretudo nos países escandinavos sob o impulso do prémio Nobel de Ciências Económicas de 1974, Karl Gunnar Myrdal. Hoje, os partidos políticos defensores do Estado Social pertencem à família social-democrata e estão presentes em todas as regiões do mundo.

Com mais ou menos danos, maiores ou menores desfasamentos entre a economia e as finanças, parece que a crise atual será vencida graças à combinação da livre concorrência, defendida tanto pelos liberais, que acreditam nos poderes extraordinários do mercado, com a ação reguladora do Estado. Curiosamente, o otimismo desta resposta encontra apoio no próprio prémio Nobel que Gunnar Myrdal, social-democrata, dividiu com o seu colega na Academia e adversário na Política, Friedrich August von Hayek, um dos expoentes do liberalismo. Hoje poucos investigadores e políticos recusam a necessidade de combinar a livre concorrência com a intervenção do Estado. O verdadeiro problema são os níveis e limites tão viáveis quanto aceitáveis. Gabriel Zucman (A Riqueza Oculta das Nações), Thomas Piketty (O Capital no Século XXI) e Daron Acemoglu, com James Robinson (Porque Falham as Nações – As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza) estão entre os jovens com pensamento fresco e prospetivo sobre os métodos, níveis e limites dessa ação. Em conclusão, o Estado Social exige reformas mas não está em vias de extinção.

III

Serão as economias emergentes capazes de influenciar o pensamento económico mundial na próxima década? Por motivos práticos consideremos duas definições. País emergente como sinónimo de país em desenvolvimento. Seriam os mais de 90 países convencionalmente em desenvolvimento. Os restantes estão divididos entre uns 50 avançados, desenvolvidos ou industrializados e outros tantos subdesenvolvidos ou países menos avançados (PMA). A segunda definição, com alguma novidade, e que terá inspirado a pergunta da SOICO, diz respeito ao grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que é um pequeno número de nações líderes na categoria dos países em desenvolvimento. Neste sentido, os BRICS reúnem à sua volta um contingente variável de economias, que pela sua dimensão e ritmo de crescimento, partilha a vontade de ter um peso maior nas relações económicas internacionais. O México e a Argentina são exemplos de aspirantes a BRICS.

O que caracteriza as economias emergentes no sentido restrito? Como vimos, estes conceitos são vagos e o máximo que podem fornecer é lamiré. As características comuns dizem que essas economias conseguiram libertar-se do peso da estagnação e crescem. Quando assim é, mostram: IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) médio ou alto, PIB (Produto Interno Bruto) por pessoa entre os 5 e os 8 mil USD, tecido industrial em expansão, geração de emprego em alta, crescente taxa de formação de capital. Serão estes indicadores fiáveis? Eu respondo que são fiáveis q.b. (quanto baste), porque são os melhores que a Humanidade conseguiu criar até hoje e estão em evolução, devendo ser utilizados com prudência e honestidade. É verdade que existem muitas coisas na nossa vida que escapam ao IDH, ao PIB, ao Índice de Pobreza, de Liberdade, Democracia, Imprensa, Felicidade, etc. Por exemplo, o PIB não regista a sensação de estarmos aqui reunidos, de nos sentirmos livres, o riso ou a dor de uma criança, nem o cantar dos pássaros. Porém, permitem comparar o nosso desempenho individual ou coletivo ao longo do tempo, medir o esforço, o sucesso ou o fracasso. Além disso, graças à utilização crítica dos índices, comparamos o nosso desempenho com o desempenho dos outros. Em conclusão, sou um entusiasta dos índices e sou contra a sua utilização acrítica ou a sua exploração com fins de propaganda.

É garantindo as condições internas de diálogo e de paz que o governo do país emergente ganha a confiança dos seus cidadãos para desempenhar uma função crescente a nível regional e mundial. A este propósito, a experiência sugere que antes de irmos pregar na terra dos outros temos de dar provas de que santo de casa faz milagre! Sim, pela dinâmica que os caracteriza, os países emergentes têm voz cada vez mais audível na integração regional e na governação do mundo. Os movimentos de libertação nacional promoveram as ruturas e as inovações sociais e técnicas necessárias ao advento de novas terras nas nossas terras, como dizia Amílcar Cabral. Agora não é a vez da passagem de testemunho, mas de linkagem de gerações. Seremos capazes? Não sei, devemos tentar.

IV

Que África daqui a 50 anos? Provavelmente uma região respeitada pelo talento e o mérito, pela capacidade de diálogo e de trabalho, pela solidariedade efetiva entre cidadãos, gerações e nações. Neste tipo de prospeção é inevitável registar os progressos em matéria, por exemplo, de paz e segurança (individual e coletiva), de eleições como via de acesso ao poder político, do crescimento económico, das políticas do género e da juventude, da construção de infraestruturas, da integração regional. De acordo com a evolução destes indicadores é legítimo contar com uma África 2063 pacífica, democrática, bem governada e bem representada no Governo do Mundo.

Para aumentar as probabilidades de concretização desta fantástica expetativa os africanos terão de fazer mais e melhor em três domínios: transformar a cultura do mérito na regra geral, investir na educação de alta qualidade e promover o diálogo entre o Governo legítimo, o Capital limpo e os Sindicatos inteligentes. Chamemos a isto um Estado Social do século XXI.

A SOICO nasceu da convicção de que essas partes necessitam de uma comunicação forte e ao serviço da criatividade, da liberdade e da justiça. Por isso, sentimos um enorme prazer em participar neste encontro de gerações, empresários, políticos, diplomatas, jornalistas e investigadores, para ouvir e falar, compreender e contribuir para a salvaguarda do muito que de bom acontece nesta terra e pôr fim à exclusão e à violência. Vamos debater o caso de Moçambique, mas sabemos de antemão que a opção pela paz exige mais lucidez e mais coragem política do que a continuação da guerra.

Corsino Tolentino

Maputo, 11 de Junho de 2014

Referência:

[1] Introdução ao debate em Maputo sobre “Moçambique: Economia e Futuro” de 11 de Junho de 2014, nono aniversário de «O País». O Autor, Amélia Nakhare, Vice-ministra da Planificação e Fernando Couto, Presidente dos Portos do Norte, foram os oradores. O escritor e político Hélder Muteia e a jornalista Olívia Massango, diretora de informação da SOICO, foram os moderadores.

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Comentários

  1. Cristiano Carvalho diz

    4 Fevereiro, 2016 at 11:31

    Gostei do texto.Obrigado pela partilha Doutor Corsino Tolentino.

    Responder

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