A leitura de um livro da autoria de José Luiz Tavares, cuja produção se pontua na demarcação periodológica da contemporaneidade na literatura cabo-verdiana, é aceite com o espírito de abertura e em desafio aos caminhos para que a sua obra tão intensamente nos conduz.
Pela representação estética com que vem iluminando a novíssima literatura cabo-verdiana, pelo conjunto firmado de obra com vem reconfigurando o processo de afirmação identitária, o autor em referência merece hoje, em Coração de Lava, a nossa atenção especial. Escritor cabo-verdiano do ontem recente, do agora presente, do aqui e da diáspora, JLT, ao lado de Corsino Fortes, Arménio Vieira, Mário Fonseca, Filinto Elísio, integra a categoria de poetas que assinam uma produção literária de destaque neste panorama literário que já não se faz jovem e, por isso, vem servindo de mote a estudos de interesse e participando dos percursos da literatura cabo-verdiana no que à caracterização da sua atualidade diz respeito.

Coração de Lava – capa do livro de José Luiz Tavares
Com efeito, desde as primeiras publicações poéticas do autor, a demarcação acontece no sentido de uma busca e prática de originalidade, não só pela técnica e domínio versificatório mas igualmente pelo aturado trabalho que circunstancialmente cada poema regista em temática e verbalização.
Coloca-se, em termos de afirmação da consciência identitária que a sua obra traduz, aparentemente à margem do cânone, que ele próprio questiona, no interior do texto, na vontade literária de pôr em causa, ferir e questionar a pretensa e instituída originalidade da expressão literária “arrecadada” pela produção que prolifera no ambiente literário cabo-verdiano.
Legitimando, assim, a manifestação diferente de um ser e sentir Cabo Verde no espaço universal, a produção literária deste autor situa-se, sem dúvida, neste momento paradigmático em que a Literatura cabo-verdiana protagoniza e assume o “livrar-se” do fantasma operativo da cabo-verdianidade, processando-se num horizonte muito mais alargado e no qual a intelectualidade é revelada não tanto pelo enfoque do imediato como pela necessidade de reinterpretação do real, que exige um exato distanciamento da realidade. Podemos considerar que é neste contexto que se encaixa e se projeta uma obra como Coração de lava. 2
Focalizado num novo centramento estético, poético e simbólico, manifestando-se em conteúdos que desenvolvem uma atividade fundadora sistemática, porém afastada da prática do discurso do quotidiano, JLT pratica, no domínio da poética alicerçadamente literária, o exercício de construção do pensamento e da reflexão sobre a memória. No caso em análise, a vontade de edificar um novo sistema de valores, no interior de uma ordem igualmente nova, traz à tona uma expressividade que nos impressiona, pelo movimento que encerra, ora telúrico (no sentido em que este reflete a mais profunda ligação do homem à Terra), ora simbólico (porquanto escapa a qualquer definição, rompe com cânones estabelecidos, sugere em vez de fixar a palavra).
Vejamos: Coração de lava reúne o conjunto de, oitenta e oito poemas (incluindo três poemas três do prelúdio) e centenas de fotografias que a dupla José Luiz Tavares/Duarte Belo nos oferece em testemunho do encontro dos autores com o Fogo, a ilha que constitui a marca indubitável da nossa dimensão arquipelágica, não fôssemos produtos, vida e enigma da atividade vulcânica.
O encontro com o Fogo não é apenas o encontro com a ilha e suas gentes mas é sobretudo a expressão da limitação humana face ao gigante Vulcão (que lhe dá vida), é o reconhecimento da importância das palavras para descrever o que o poeta vê, registar como as pessoas vivem, relatar os estreitos limites geográficos de espaços delimitados pelas configurações municipais, políticas e geográficas. Tal expressão limitada reside no paradoxo de, apesar de tal importância, de no princípio o verbo se fazer vida e luz, as palavras também serem incapazes de exprimir todo o valor e as dimensões que esse referente encerra. Dizem as palavras do poeta no poema 6 (página 30 e em interlocução com o gigante), o seguinte:
Ergues-te, símile da firmeza,
barco no ar, boi de susto fungando
resíduos que o mundo inquieto resume
numa só palavra – devastação.
Mas é uma memória propiciadora
essa que te mantém suspenso muito depois
do pavor deflagrado e da visita da amotinação,
quais presságios que não carecem de decifração,
porquanto aqui é o reino das evidências,
que todavia aguarda o resgate do olhar.
O pavor e o pânico não são o negócio
desta gente que não foge ao raso prelúdio
da lava, posto que guarda no melhor alforge
o arrojo que não desfalece diante do hausto3
funesto, tal desforra divina.
Imperturbável, porém, suporta o peso
da vida com a persistência que diz bem
da sua peculiaridade, que tentamos medir
e compreender com a vara da nossa parca
sapiência, para melhor a louvar junto à labareda
imprescindível, agora que a bruma antecipou
o regresso às chãs onde meditámos toda a noite
nos alicerces da obra vindoura.
O exemplo acabado de recuperar, em jeito de perscrutação e análise, elabora o contraste entre a dimensão física e morfológica do monte-vulcão-espaço, na sua presença de imponderável força, grandeza e majestade, e a pequenez dos que buscam a vida, com resignação e coragem, no cenário de devastação secularmente alimentado pela atividade do vulcão.
O poeta observa e medita, enquanto as gentes suportam o peso da vida com a persistência em existir, louvando essa presença que a memória dos séculos propicia. E, no entanto, as palavras parecem não poder traduzir o que implica olhar a devastação, poder partilhar a coragem das gentes que se movimentam no palco suspenso da evidência de que a natureza é mais forte do que cada um de nós e do que todos nós. Aí reside o inexplicável, o indizível, a revelação do encoberto, a magia, o mistério carregado de equívocos, pois, como confirma o poeta:
(…)
Decerto o que te aguarda
tem a estranheza dessa promessa
lida no negrume quando escavando
a paisagem ouviste a música extrema
do enxofre refletida contra o negro vivo
acendendo as lâmpadas do teu estro.
Tudo é excessivo, irrefutável.
O devir esconde-se sob a capa da solidez
e da impenetrabilidade. E a vertigem
estende sua ossatura com a evidência
do que não posterga um instante
à eternidade bulindo estes flancos.
(poema 10. p.38)
No título desta obra presentifica-se uma imagem cara aos decifradores de sentidos. O primeiro elemento, Coração, é o órgão metáfora de vida, porque central do indivíduo. Assim, ele é efetivamente o centro vital do ser humano, tomado como símbolo por várias das nossas civilizações. O seu duplo movimento (sístole e diástole) 4 fá-lo igualmente símbolo do duplo movimento de expansão e reabsorção do universo, logo, não poderia ser mais expressiva e adequada esta centralidade que pode apontar para o centro da terra cada vez que um vulcão entra em erupção, e mais ainda se atentarmos ao movimento que os poemas que compõem Coração de lava fazem: a forma de se manifestar aos homens expelindo material devastador e ao mesmo tempo constituindo fonte de riqueza mineral, aceitação da imponência divina e esperança na renovação de espaço e vida, é inexplicavelmente mítico.
Nesta perspetiva, reside aí o centro da vida, da vontade e da inteligência.
Se aceitarmos que o Vulcão toma a forma de uma montanha, a esta se associa uma simbologia rica e múltipla. No caso do vulcão do Fogo, o protagonista desta epopeia em verso, a sua elevação aproxima-o do céu como nenhum outro elemento terrestre em Cabo Verde. A título de exemplo, entre outras leituras possíveis, ele pode simbolizar o termo da ascensão humana, o encontro entre a terra e o céu, morada dos deuses, possuindo portanto duplamente a dimensão do humano e do sagrado. Se por um lado nos dá a noção de estabilidade, pela sua imponência, por vezes até de pureza, a montanha-vulcão também é temível, quanto maior a sua elevação, maior a sua grandeza e verticalidade triangular, maior a carga simbólica.
Sendo um Coração de lava, os seus movimentos exercem um efeito extraordinário, singular, fabuloso sobre quem está próximo ou dele procura se aproximar. Toda esta simbologia, neste livro, é amplamente reforçada pelas imagens que acompanham a força das palavras.
O conjunto oferece aos leitores uma trajetória de busca de compreensão da natureza pelo homem. Aliando a palavra à imagem, o movimento natural do verso (de ritmo sinuoso e sem métrica fixa,) ao movimento da natureza (desde o rolar das pedras à construção de casas e aldeias em terreno lávico, ajustando as palavras (entenda-se retrato, de visões e sensações) à objetiva atenta à cor, à forma e à textura, obtém-se um movimento constante em que a ausência de rima é suplantada pela magnificência do olhar como se vê, se observa e se olha o espaço, traduzindo assim uma simbiose perfeita entre a pena e a câmara.
Numa espécie de centralidade que dá protagonismo ao colosso da montanha viva emerge o diálogo silencioso entre o poeta, diminuído entre a grandeza dimensional de um vulcão feito ilha, e a natureza:
Ergues-te da combustão, do caos primeiro,
paisagem a fazer-se ao arrepio da moldura, 5
e com que eléctrica música e as impurezas
de antes da cor, atómos apenas
no vácuo-memória além de toda a usura. (p.30)
Sem resposta verbal, o apelo se faz tentativa de libertação dessa eternidade passado, onde é possível descortinar as coordenadas da nossa existência e o sentido da orientação que busca enquanto se medita e se escreve. Oiçamos:
“Mas grita, ó homem, que o inverno é uma memória
benigna, e a mão que persigna é haste e alvor,
e louvor o gesto que resgata ao exílio e à terra
quebrantada restitui o bulício das estações
inaugurais, o timbre e o sopro para invocar
o sagrado nome do fogo, ou a grande hossana
à vida que há de nascer, porquanto cantaste
na infância do poema (decerto com a dissonância
que não ignora o lastro da dúvida e a dívida
acumulados), as aflições substantivas.
p.25
Coração de lava é um livro de sentires, de encantos e de partilhas.
De sentires porque, não fosse ele um poema contínuo, espécie de registo de emoções desmedidas, lavra em oficina poética a trajetória do gigante que canta pela voz do fogo, do trovão, tal “peregrino alevantado sobre os pináculos da vida”, “o pavor do homem atrelado à correnteza do mundo”. Do sentir da natureza-mãe que se exprime “irrompendo pela mansuetude imaculada,” e do sentir destes homens que partilham connosco a sua forma de olhar o mundo.
É um livro de desafios, de premonição e de registo. Coloca-nos perante o desafio de aceitar a força de vida e de morte, que encarnam os homens que vivem todos os dias a ameaça da natureza.
E passam rentes, e seguem firmes, na cabeça o feno, na boca as rezas, mas eu não sou anjo, nem penas tenho, senão estas duras de ser-se homem, trôpega condição que na morte indiferente se limita.
E calam quedos tantos segredos, que mal indago se evaporam, que mal percebo se interrogam se eu ou eles gado sem rumo.
De premonição em relação ao amanhã incerto, à possibilidade eminente de que onde tudo começa reside igualmente o fim de tudo.
“Agora canta a pedra que te entra pelos poros,
tu peregrino alevantado sobre os pináculos
da vida, vaga resgatada à orla do olvido, onde vês
o futuro mar anterior ao dilúvio, e onde a cinza
redemoinhando assinala a rota das grandes erupções
petrificando a casa na retina, essa humana memória
jazendo à sombra do pico mais cimeiro”
p.25
É um livro de versos carregados de símbolos que parecem deixar a sua forma original para falar ao ritmo natural da fala e da visão. Os autores deste livro merecem o nosso reconhecimento pela forma como fazem o conjunto justificar a arte, permitimo-nos, no momento de leitura e apreciação, experimentar sensações várias, que nos aproximam de quem é responsável pela oferta primeira, na descoberta das impressões que a leitura quase virgem lhes proporcionou.
É sobretudo uma homenagem à pérola da nossa origem arquipelágica: poema
85:
E assim dado ao coração da pedra,
à concretude que o próprio ar solidifica,
desço das alturas de névoa e seus
matizes encantados à crosta íntima
da paisagem indelével.
Valeu a pena a luz violenta
e acerada, a calma mineral respirada
nas poças sobreviventes, a sina de vaguear
na solidão das chãs, a dor de dar vida
ao que já era vida antes de mim,
pois do parto da intensidade aqui
se trata, e nenhum empenho é demasiado,
nem nos transportes em que a natureza
impenetrável se decompõe em signos
legíveis e seu eco mudando
com as sombras do crepúsculo.
Relações do visto, portanto, mas que releva
tão do íntimo que foge ao princípio
da verosimilhança, entregando-se à pura
magia onde audaz e definitiva a vida inteira
cisma, transmutada em canção de ser,
mão de amigo faz menos íngreme
a subida, não importa se em verso apenas,
na redoma do ar da sala, sobre esta quieta mesa,
companheira das maquinações que fazem7
transparente o que era opaco, e quando viste
vindo para a morte nas alturas quando o cálculo
do futuro perfaz a soma exata e total.
(p.207)
É um exercício de domínio da palavra, um convite ao prazer e deleite, conhecimento ou descoberta de conteúdo original, do significado do verbum.
Concordemos que apresentar uma obra literária viabiliza a ideia de que Ler significa poder interpretá-la, enquanto texto, sob um dado ponto de vista. Isso
implica entender como esse alguém de talento especial escreve, para que possamos ler segundo o seu ponto de vista. Precisamos identificar certos pontos, observar determinados pormenores, escolher alguns lugares, personagens, referências estratégicas a que o autor deu significados, que nós mais ou menos acertadamente descodificamos, sob os nossos pontos de vista. Por isso, Boff tem razão quando diz que “Ler significa reler e compreender, compreender para interpretar. E cada um lê com os olhos que tem… (BOFF, 1997). Mais apropriado ainda quando temos poesia e Imagem fotografada para apreciar, interpretar e partilhar.
O texto é ainda marcado pelo intertexto, esse diálogo com outros textos, outros autores, entre poetas. Assim entre uma veia de Camões, um pulsar de Pessoa, que inspiram Tavares, há momentos em que ao ler os poemas, notamos que a experiência da escrita e sua intenção poética ultrapassa a observação do real, o espaço acaba por constituir-se no palco de uma interrogação inquieta. O sujeito que aí se revela projecta-se num dilema aparentemente irresolúvel entre o Ser, isto é a essência de se aceitar como Homem, e o Estar, ou melhor, o parecer ajustado a contextos, significados e circunstâncias impostas à configuração de um perfil identitário que quer perguntar: – Como é possível? ; – O que fazemos aqui, entre a lava de ontem e as rochas vulcânicas de hoje, entre o fogo que destrói tudo por onde passa e ao mesmo tempo alimenta o progresso das civilizações?. E a resposta vem:
(…)
Desorbitados, lá vamos indo,
inda cativos deste dilema:
se se move o universo,
ou nós nele em concreto fluxo,
naves cingidas pelo negrume,
tal flor de fumo roendo os sonhos,
menos que coisa, bem mais que nada,
pois passam rentes seguindo firmes,8
fazendo eco do gesto límpido,
nutridos pasmos se arrolando,
se escoiceando
quando nem sede é quanto somos. (poema 22)
O significado de tal dilema será o ponto de partida para a geração de “novos significados”, num recuperar da osmose cosmopolita do poeta João Vário, com quem JLT partilha o estar entre nós e o já ter partido:
era a arte de saber o que mais doía
João Vário
Tudo dói nos olhos nesta hora crepuscular
—- o luto, a escassez, e a desforra
da abundância; a solidão rememorada,
esse torvo remoinho que lava bem
o lado essencial da indagação.
Porque aqui tudo é triunfante veemência
ou calma reiteração, como esse grilo
no ouvido renovado o sentido da escuta,
juntas a recorrência dos soluços ao porvir
da plenitude, que nenhum louvor
é demasiado para a maravilha testemunhada,
ou para a harmonia que não carece de controvérsia.
E cogita-se então que para proclamar a justa
grandeza já não bastam os trabalhos do olhar,
mas uma arte de música, porquanto é de celebração
que aqui se trata, da metamorfose invisível ,
embora um rasto de fulgurância ateste o início
avassalador, e tu sem palavras bastantes
para corroborar tal intensidade.
E tendo visto e dito, com a mente mais do que
com olhos e língua, tudo cita a humana precariedade
irmã contígua do fracasso, para retorquir ou aquiescer,
mas sempre com a vacilação do lado da exaltação,
porquanto não há fascínio que não reclame do seu
quinhão de angústia como dúbia reparação
pelo sacrílego dom de criar.
(JLT, 2014. p.191)
E, da comunhão e da rutura discursiva, entre a prosa e a poesia, Coração de lava vai convidando o leitor a ingressar, impercetivelmente, num mundo de ilusão que hoje é certamente memória, património e identidade. Por isso, ele escreve:
Não sei se dormes de noite na selva
das palavras que te nomeiam, mais concreto
que o poema por escrever, aguardando apenas
o fermento conveniente, isto é, os resíduos
do mundo nas travessas da alma,
mas sob umas quantas estrelas
e seu brilho vivaz há a memória imperiosa
desse rosto navegando no mar da noite,
povoado de incêndios e sensuais devaneios
que vão bem com este ereto retrato
que se divisa da ilha em frente (onde também
fui outrora infante) e avulta em tantas fotografias
em que densidade e volume sobressaem dos mil
matizes que a bruma oculta em certos dias.
Canto de soçobro é quando outubro é essa
reiterada angústia corroendo o lado
mais verde da expectativa que não basta
para refutar o espigar da precaridade
estilhaçando cada sonho desabrigado
nesta vastidão aberta ao lamento ébrio,
à indolente destreza dessas deusas de olhar
falcoeiro ao ritmo de um blues já cansado:
o vento abaula povoados, engole trilhos,
cospe bruma nas almas sem essa lisura
metafísica que é apanágio da arte,
de cuja ciência és o aprendiz secreto,
sentado sobre os subterrâneos veios
que tecem esse alquímico desígnio,
pretexto equívoco para a queda entre,
a opacidade desmedida que não importa
à transparência que a maravilha preconiza.
Ah, homem que não sabes que calamidades
moram entre a comissura dos versos,
mas provas não pedes, pois tudo flutua
à tona do êxtase, e para a destrinça
basta essa unha periclitante que se crava
na crosta dos segredos, e tal arte corrobora
a veracidade dessoutra que prescinde,
para se manifestar, da humana mão, essa que
testemunha o denodo, o fracasso e a plenitude.
(Poema 24)
(TAVARES, José Luís. Coração de Lava, 2014, pp.80-81)
Pela experiência individual, a construção da identidade do sujeito processa-se na sua perceção do mundo e das coisas que o compõem. O indivíduo enquanto ator social estabelece interações com os outros e com uma memória coletiva, num processo em que a manutenção destas identidades é tão ou mais consistente quanto mais ricas forem as interações por eles mantidas no processo de compreensão de si 10 próprios e de suas intervenções na realidade (HALBWACHS, Maurice, A memória coletiva, São Paulo, 2009).
Assim, ficamos entre a escrita peregrina que se pensa e dialoga consigo, que nos conta histórias, a mesmas com que se partilha algo de muito ajustado ao dia de hoje, e a imagem lida; e parece que alguém fala por Deus, quem fala no texto é um poeta que nos confessa os efeitos da poesia, nas suas fraquezas íntimas e eternas, que o tornam um ente especial desta e doutras esferas.
Recuperando mitos e referências históricas e espaciais, noutro momento, deixa-nos sua perceção mais moderna da experiência de recriação permanente de espaços e entes que questionam o papel do homem intemporal, esse que emerge num discurso e numa produção de tom inovador, num dizer construído por um léxico audacioso, alegórico e de imagética simbólica, numa clara agressividade verbalizada, em que a uma estética do dizer se associa o imaginário surrealista.
Essa função, referindo-se à atividade discursiva, poética ou não, se exerce no registo de uma angústia ou do lúdico da criação e na abertura ao intemporal que ao mesmo tempo nos move e comove.
Fátima Fernandes
Professora Universitária
(IILP, Praia, 13 de Dezembro 2014)
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